quinta-feira, 2 de abril de 2009

Contar, ou não contar?

Já me aconteceu, e já me f*** à pala disso.
Sabemos algo que não deveria ser do "domínio público"; vamos imaginar que o Primeiro-Ministro não é engenheiro.
É pior Primeiro-Ministro por isso?
As políticas dele são piores por causa disso?
As causas que defende e os valores que preconiza são diferentes?
O interesse que tem em defender o povo é diferente? (Vamos assumir que o teria de qualquer forma)
Não me parece.
Mas o Primeiro-Ministro tem mesmo de dizer às pessoas que não é engenheiro? (estamos a imaginar que não era).
É que para a maior parte delas ser engenheiro é importante; para a maior parte delas, um diploma ou um curso tirado - mesmo que em não sei quantos anos a mais e com copianços a tudo - é sinónimo de fiabilidade e honestidade e competência.
E no fundo todos sabemos que, mesmo engenheiro, ele pode ser um filho da p***, se quiser.

Agora vamos imaginar que a namorada do nosso melhor amigo sai à noite sozinha com outro gajo.
É pior namorada por isso?
A maneira como conduz a relação é pior por causa disso?
As causas que defende para a relação e os valores que nela quer incutir são diferentes por isso?
O interesse em continuar a ser namorada do nosso amigo diminui?
Também não me parece.
Mas ela tem mesmo de dizer ao namorado que sai à noite sozinha só com um gajo? (vamos imaginar que saía).
É que para a maior parte deles não fazer isso é importante; para a maior parte deles, não verem a namorada acompanhada só com um homem é sinónimo de fiabilidade, honestidade e competência.
E no fundo todos sabemos que, mesmo que não aparente nada disso, ela consegue ser ainda pior que o primeiro-ministro descrito acima.

E se nós soubermos que o Primeiro-Ministro não é de facto engenheiro, devemos contar ao povo?
Se soubermos que a namorada do melhor amigo sai à noite com outro gajo, contamos ao melhor amigo?

Em tempos pensei que a resposta era sim: porque era o que a consciência mandava. O que me esqueci é que era a minha consciência que estava em jogo. Era eu quem estava a aliviar-me do peso de saber algo que não se devia saber. Era um acto puramente egoísta, era para eu ficar bem comigo próprio. De facto, a análise é fácil de fazer, caso contássemos:
Best Case Scenario: toda a gente compreendia que o Primeiro-Ministro não precisava de ser engenheiro; todos o criticavam exactamente da mesma maneira, independentemente desse facto; o povo votaria nele como se ele fosse engenheiro; para o outro caso, seria assim: o amigo levava na boa; a namorada falava com o amigo e explicava que não se passava nada. Ele acreditava piamente nela e agradecia o facto de lhe termos contado.
Ou seja, ficava tudo na mesma.
Worst Case Scenario: o primeiro-ministro caía porque não era engenheiro. De repente, já não tinha valor para liderar o país; por outro lado, podia ser mau para nós: e se ele tivesse mesmo um diploma? E se, mesmo que ele não o tivesse, o povo acreditasse que ele o tinha? Passávamos a ser nós os maus da fita. Para o outro caso, haveria então duas situações: ou o namoro acabava, e o nosso amigo ficava na merda; ou então éramos nós que estávamos a fazer filmes, e acabava a amizade.
Ou seja, lixávamos tudo.

Isto tudo para concluir que sim, que é verdade.
Que há coisas que vale mais não se saberem, ou fingir-se que não se sabe.
Que ninguém é nunca completamente feliz, mas que muito menos o é se souber a verdade toda.
Apenas se tem que saber o que se assume: que o primeiro-ministro nos defende invariavelmente, tenha lá ele o grau académico que tiver; que a namorada do amigo o ama, saia lá ela com quem sair.

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