sexta-feira, 16 de abril de 2010

Posfácio

Da última vez que te vi estavas sentado. Fragilmente sentado sobre as fiadas abraçadas da cadeira de verga. E estavas estranhamente corado. Uma cor que há muito já não era usual em ti. Porque era falsa (mas eu quis, furiosamente, convencer-me do contrário). Era o laranja do pôr-do-sol reflectido na tua tez baça, arranhada e prematuramente sulcada pelos anos que não chegarias a viver.

Sorriste. Como sempre. E olhaste-me.

Não era um olhar diferente do primeiro.
Era apenas derradeiro.
Um derradeiro olhar.

E eu ao ver-te, sentado e rendido pela luta que não quiseste travar, não quis acreditar que esse olhar derradeiro não fosse afinal o primeiro, mas o derradeiro olhar.

Olhaste-me porque sabias que era a última vez. Mas demoraste-te em mim como se procurasses, em vão, amarrar-te à vida.

Por que é que também eu não demorei o meu olhar em ti para assim te prender à realidade?

E agora é tarde para te rever
Ficou a saudade
E a lembrança desse olhar
Que deixámos morrer.

Deixa-me voltar atrás
Deixa-me prender-te no meu olhar
Para viveres para sempre junto das minhas certezas.

[Desculpa ter sido demasiado cobarde para me despedir]

Um beijo,

Catarina

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