domingo, 1 de agosto de 2010

Os homens e os ratos

Dizem os cientistas que as características genéticas de homens e ratos são semelhantes, mais semelhantes do que entre o homem e outros animais. É por esta razão, aliás, que se utilizam ratos para fazer testes a medicamentos.
Vocês com certeza já ouviram a expressão "rato de laboratório", mas nunca ouviram peixe de laboratório, pois não?
A semelhança entre homens e ratos, infelizmente para os homens, não se fica pela genética.
Um homem é um ser fisicamente pujante. Um homem tem corpo para trabalhar, tem corpo para levar palmadas de força da vida e aguentar-se de pé. Ironicamente, com um pé apenas se mata um rato.
Aliás, os homens são inteligentes o suficiente para matar os ratos sem sequer ser preciso usarem da força. Nos laboratórios, com medicamentos. Em casa, com comida envenenada. Na vida, com o desprezo de quem, em vez de os matar, os põe numa gaiolazinha invisível, às voltas, às voltas, e que quando os vê correr, para fugirem do facto de serem ratos, os vê impotentes dentro dum círculo que vai rodando, qual tapete de passadeira de ginásio, e que os vai fazendo correr sem nunca saírem do sítio.
A diferença principal entre os homens e os ratos é esta: é esta pequenez em termos de inteligência, uma pequenez tal que pode inclusivé fazer pensar ao rato que pode enganar o homem.
Tem a sua piada que os homens deixem a comida nos cantos de suas casas para que os ratos morram dela. Reparem: a matreirice do rato em esconder-se sempre num canto, para que não o vejam. A fuga quando reparam nele, sempre com intenção de passar despercebido, mas dando demasiado nas vistas. A vontade de conseguir viver no que o homem construiu, habitar-lhe a casa, roubar-lhe o lá tem, sempre escondido, sempre na penumbra, sempre fugindo quando confrontado com o homem. E o homem, que se fazendo de parvo já o topou há muito, porque um rato é um rato e deixa sempre um rasto de mijo ou de merda que não engana ninguém, prepara-lhe a morte sem sequer que ele saiba que reparou nele.
O rato olha para o que o homem tem, e deseja-o: o homem dá-lho. Mas não lho dá sem a certeza de que isso o vai levar ao sofrimento. Porque a comida é do homem, foi comprada por ele. Aquilo que o rato quer provar, o homem já há muito tempo sabe o que é.
Eu não sou má pessoa, eu juro. Eu seria incapaz de matar um rato. Eu preferia vê-lo viver com esse estigma de o ser, preferia visitá-lo de vez em quando, na sua gaiola, e olhar para ele como que lhe perguntando: "então, meu nojento, continuas às voltas sem sair do sítio?", lembrando-lhe que eu sim sou homem, e ele não, é rato.
Por mais que se esforce, um rato será sempre um rato.
Há-de sempre olhar o homem com inveja, porque sabe que nunca o será, porque sabe que há coisas que os ratos fazem aos homens que os homens não fazem aos ratos.
Corre ratinho, corre.
Está aqui um homem a topar-te.