sexta-feira, 14 de maio de 2010

O meu Benfica

Na ressaca dos festejos do título, devo dizer que entendo por que razão existe tanto ódio pelo Benfica.
Sei, de mim para mim e bem lá no fundo, que o típico adepto do Benfica é uma pessoa odiável. O típico benfiquista tem bigode e bebe tinto a todas as refeições, bem como nos intervalos antes e depois delas. Tal como o adepto do Porto é bairrista ou o do Sporting é elitista, o adepto do Benfica é do povo, em todo o esplendor de alegria nos bons momentos e de vergonha quando os microfones lhe param à frente para que - valia mais que calassem esses animais - os "verdadeiros chefes de família" explanem todas as teorias embriagadas sobre a inteligência do Saviola, a segurança do Javi, o pulmão do Ramires, a elegância do David Luiz, a liderança do Luisão ou os golos do Cardozo.
Devo dizer que, para um adepto do Benfica fora deste lugar comum, isto enerva: faço ideia, portanto, do quanto enervará um adepto doutro clube qualquer, que olha para o clube que mais adeptos tem. Levar com esta gente não é fácil.
Lembro-me, por exemplo, dum Benfica-Marítimo há umas épocas atrás. O Benfica fizera uma primeira parte de merda - literalmente, assim foi - o Beto era o nosso distribuidor de jogo - cruzes! - e na frente jogava uma dupla de pontas de lança de meter medo tal o seu portento técnico, a saber: Makukula (oh meu Deus), e - a cereja em cima do bolo - Azar Karadas, avançado que era tão bom que no clube seguinte jogou a central.
Bem, mas é isto: depois de uma primeira parte em que fomos comidos pelo Marítimo em casa Makukula faz ressaltar a bola no peito uns dois metros, para o remate de fora da área, depois da bola lhe ter chegado sabe Deus como, e atira para um frango do guarda-redes, que dá, injustamente, a vantagem ao clube da casa, com um golo caído do céu.
Os mesmos benfiquistas que haviam passado toda a primeira parte a vaiar o seu clube cantavam nas bancadas "Glorioso SLB" e "ninguém pára o Benfica", quais chefes de família que depois de dizerem mundos e fundos dos filhos os congratulam por terem tido um suficiente na escola.
Como se um suficiente fosse suficiente.
Desde sempre me desmarquei de todos os adeptos ditos "normais": não é que não faça parte do povo, mas o meu amor pelo rigor e disciplina, pelo mérito e pelo esforço sempre me impediu de aplaudir vitórias em que merecíamos menos e desdenhar derrotas em que merecíamos mais. É neste sentido que eu me considero um benfiquista diferente dos outros, que não vê sempre penalties a seu favor, que sabe que o caso do Hulk foi uma vergonha, que sente que não era preciso isso para sermos campeões na mesma, mas que mancha o campeonato indiscutivelmente.
Sou o mesmo benfiquista que acha que o Porto devia ter terminado em segundo porque assim teríamos muito mais hipóteses de fazer boa figura na Champions para o ano. Teríamos, equipas portuguesas.
E como cidadão bem-educado e tolerante não apareço nas festas para as quais não fui convidado, nem chamo gratuitamente nomes às outras pessoas, nomeadamente por serem doutra côr clubística. E mesmo que vivesse perto da Avenida dos Aliados, não apareceria, nem incendiaria cachecóis ou arrearia em pessoas que ali estivessem - justamente - a festejar.
E festejavam porque até os benfiquistas que não são normais sentiam que este ano era diferente: melhor ataque com 78 golos em 30 jogos, melhor defesa - empatado com o Braga - com 20 golos sofridos, 5 pontos de diferença para o 2º classificado, 28 para um rival directo, melhor marcador do campeonato e da Liga Europa, ex-aqueo com Pizarro (Cardozo), melhor assistente da Liga Europa (Di Maria), melhor assistente do campeonato (Di Maria), maior goleada do campeonato (8-1 ao Setúbal), equipa com futebol mais atractivo, equipa que conquistou Campeonato com a melhor percentagem de pontos conquistados dos últimos 15 anos (à frente do Porto de Mourinho) e a Taça da Liga ao maior rival dos últimos anos por 3-0 claríssimos, e que chegou aos quartos da Liga Europa, onde perdeu com um bicampeão europeu da última década, o Liverpool.
Esta época foi uma época especial, de facto. Tão especial que conheço sportinguistas que há 16ª jornada estavam a torcer contra o seu clube de coração a favor duma vitória dum Braga que já na altura se adivinhava a única equipa capaz de lutar pelo título com o Benfica. O anti-benfiquismo é aliás algo que se adivinha primário ao gosto pelas próprias cores: se o adepto normal do Benfica é o burgesso que já enunciei, o adepto normal de outro clube que não o Benfica será - e isto, custe o que custar a admitir, é verdade - pela força das circunstâncias de ser o clube mais apoiado (e nem sempre melhor apoiado) e de maior palmarés histórico em Portugal - um anti-benfiquista (saúdem-se todas as excepções à regra).
É nesta base de diferença para melhor que me afirmo neste texto como benfiquista: sou-o porque o meu coração assim o quis, quis o desígnio do destino. Sou-o apesar de ter esperado 17 anos por ver o meu clube campeão - já que do título de 94 não me lembro, tinha 6 anos - ao ponto de ter ficado 17 dias doente dos festejos, os 6 primeiros dos quais de cama e tomar Brufen de 4 em 4 horas. E não conseguiria ser doutro.
Sou-o com todo o direito que outras pessoas têm de ser da Académica, do FCP, do Sporting, do Braga, do União de Lamas ou do Sporting da Covilhã. E sou-o respeitando as vitórias dos outros: inegável o domínio azul e branco dos últimos 4 anos, mesmo que mais por demérito dos adversários do que por mérito próprio, em minha opinião.
Apoio o meu clube e vibro por ele com o mesmo direito que outras pessoas pelo seu, canto nos golos, festejo nas vitórias e respeito os adversários nas derrotas. E é como benfiquista "anormal" que me vejo fazer confusão quem vibre mais por uma derrota dum clube que odeia do que uma vitória dum clube que adora; quem torça contra o seu clube de coração para evitar que outro clube em específico ganhe; quem me chame de filho da puta quando festeja golos seus.
Quando o nosso clube marca um golo e a nossa vontade é chamar filhos da puta aos maiores rivais, isso quer dizer que apesar de toda a superioridade aparente nos sentimos ameaçados por eles. Por aí se vê com quem de facto estamos preocupados, se connosco ou com os outros.
Ou com algum dos outros em particular.
Com o maior dos outros, em particular.
E o maior dos outros costumava ser o maior porque era aquele que ganhava regularmente, mas agora era apenas a quem os outros, inconscientemente e com atitudes como estas, atribuíam mais importância. E foi por isso que continuou, estes anos todos, a ser o maior.
O Benfica nunca mereceu, ao longo dos últimos 20 anos, toda a importância que lhe foi dada pelos adversários: era um gigante adormecido, liderado por presidentes corruptos e por treinadores medíocres, como Jesualdo Ferreira ou Artur Jorge, Heynckes, Souness ou Fernando Santos, com jogadores desesperantemente maus como Escalona, Okunowo, João Manuel Pinto, Andrade, Calado, Diogo Luís, Ronaldo, Machairidis, Kandaurov, Karadas, Makukula, Manduca, Manu, Mantorras, Marcel, Bynia, Fernando Aguiar, Beto, Zoro ou Balboa, só para falar nos que me lembro de repente.
Mas teve-a.
E a todos aqueles que nos chamaram de filhos da puta, porque não sabem ser de si antes de serem contra os outros, a todos aqueles que me confundem com os típicos benfiquistas e me põem no mesmo saco dos adeptos que não sabem ser de um clube, a todos os adeptos que cantam com orgulho em jantares de curso e outros eventos públicos hinos de ódio ao meu clube em vez de amor ao seu, eu tenho vontade de fazer uso das palavras do melhor jogador de todos os tempos:

"que la chupen e que la sigan chupando".

CAMPEÕES NACIONAIS 09/10
CAMPEÕES EUROPEUS DE FUTSAL

Saibam ser adeptos de futebol. Saibam ser homens.

6 comentários:

Tiago Queiroz disse...

inteiramente de acordo! as tuas palavras são as minhas!!

Paulito disse...

Então e o Paulo madeira? Ai ai, Carlinhos, andas a falhar :P

eheh, ganda texto, sim senhor ^^

BenficaGlorioso4Ever :D

Marcela disse...

(e mulheres --)
Excelente. Plenamente de acordo.

Catarina disse...

as palavras são bonitas. mas eu vi-te ser absolutamente anti-portista na final da taça. portanto, a retórica acaba-se no sofá.

beijoca de uma anti-benfiquista assumida! =)**

Carlos disse...

Sou anti-Pinto-da-Costa, anti-Valentim-Loureiro, que estava na bancada a assistir, anti-Bruno-Alves e anti-Jesualdo-Ferreira e anti-claques-sejam-elas-quais-forem.

E o golo do Chaves deu para me rir um bocadinho, gostei :)

Carlos disse...

Sou anti-corrupção, anti-violência e anti-incompetência.
Pronto, isto resume :)