quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Condição necessária mas não suficiente

Os cães ladram. Eu ladro. Eu sou cão?
Claro que não sou.
Pode parecer que a dedução é estúpida, mas se calhar se estivermos a falar de outras coisas que não cães podemos cair nelas facilmente. Neste caso, qual é a falha?
Ser cão não é equivalente a ladrar. E pensam vocês "mas que raio, todos os cães ladram!"
Certo. Ser cão implica ladrar, mas ladrar não implica ser cão, e portanto as coisas não são equivalentes - para o serem, a correspondência teria de funcionar nos dois sentidos. Há, na verdade, quem consiga ladrar sem ser cão (eu, no exemplo).
Querem outro? Concordar implica não discordar, mas não discordar não significa concordar. Na verdade, podemos não tomar posição nenhuma ou manter uma opinião neutra, pelo que não discordamos sem concordarmos.
Para ser cão tem de se ladrar, mas isso não basta, porque há mais quem ladre. Ladrar é condição necessária mas não suficiente para se ser cão. Todo o homem é mamífero, mas nem todo o mamífero é homem: ser homem implica ser mamífero, o contrário não se passa; ser mamífero é condição necessária mas não suficiente para se ser homem.
Serve tudo isto para explicar à minha mãe que nem sempre quando eu digo que a comida não está tão boa como habitualmente equivale a dizer que está má; que nem sempre estar ao computador equivale a jogar FM; que nem sempre estar com os amigos no café equivale a beber minis como se não houvesse amanhã; serve para explicar à minha gaja que nem sempre dizer que outra miúda é bonita equivale a estar atraído por ela, que nem sempre dizer que o outro penteado lhe ficava melhor equivale a dizer que está feia, ou que nem sempre que se diz que ela não agiu da melhor forma queira dizer que tenha agido mal; serve para explicar ao meu banco que nem sempre gastar muito dinheiro equivale a gastar mal o dinheiro; serve para explicar às pessoas que nem sempre o que parece, é, e que ninguém está livre de deduzir coisas erradas por muito que se explique o contrário.
Serve para explicar a maior desilusão que encontrei no mundo desde que deixei de ser criança: sabermo-nos explicar bem é condição necessária mas não suficiente para sermos bem entendidos.

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