segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Um mundo de aparências

Estava a ver os Ídolos hoje quando finalmente tive o clique para escrever um texto que há muito me andava atravessado no pensamento.
A minha favorita no programa é qualquer coisa. Não sei o nome dela, porque não me preocupei em fixar. Vi os programas anteriores aos pedaços desconexos. Sei que é amiga do gajo que não queria participar e afinal vai ganhar aquilo. Whatever.
A mulher tem uma pinta descomunal. E é uma miúda. Mas é uma mulher. Posso não seguir o programa atentamente, mas sempre que o meu irmão via a miúda - perdão, a mulher - lá me chamava e invariavelmente ficávamos os dois admirados com aquele ar de quem se está nas tintas, mas se esforça sempre.
É precisamente por aqui que quero começar: a miúda pareceu muito mais à vontade hoje do que nas eliminatórias anteriores. Parecia natural, e confiante. E porquê? Porque tem esse dom? Talvez porque tenha trabalhado mais a música que ela própria escolheu.
Costuma dizer-se que nem tudo o que parece, é. Eu digo mais do que isso: nada do que parece, é.
Se os concorrentes estão tranquilos no palco é porque trabalharam tanto para estarem seguros que nada parece poder correr mal. De facto, nada houve de tranquilo na preparação para a Gala para nenhum deles.
Da mesma forma, quando o Ronaldo marca um livre ao seu jeito em frente a 80 mil pessoas e festeja como se fizesse aquela merda todos os dias depois do pequeno-almoço - será um dom que só ele tem? Nasceu com ele? Ele está a querer parecer aquilo fácil, mas é um facto que ele faz exactamente aquilo todos os dias depois do pequeno-almoço, e atira 20 ou 30 para se aperfeiçoar. Por dia.
O treino, o esforço, a vontade e a persistência só são experimentadas por quem efectivamente tenta fazer o que quer que seja e se apercebe que não é fácil.
Mas passemos para coisas mais terrenas: quando encontramos alguém que nos ouve sem nos interromper e nos olha sistematicamente nos olhos, enquanto anui positivamente e nos dá dicas para continuarmos a falar, e faz isto tudo duma maneira natural - tão natural que parece que nasceu com aquele dom - não será assim porque essa pessoa se treinou para ser assim?
Quando as pessoas não conseguem comer ou sair da casa de banho sem lavar as mãos... não será porque têm o gesto treinado e mecanizado e já actuam dessa maneira, que se sabe higiénica e apropriada?
Não podemos nós treinar a maneira como encaramos o que nos acontece de forma a retirar as melhores ilações e ver o bem nos pequenos males que vão acontecendo?
Tenho lido vários livros que rezam neste sentido: o que há de inato nas pessoas são aptidões focalizadas mais para uma vertente ou outra. Reparemos: não existem muitas pessoas no mundo com a aptidão para cantar que tem a Beyonce ou o Mika. Nem todos os rapazes da bola conseguem marcar livres como o Ronaldo. Mas todos temos a capacidade de treinar e adquirir competências nas mais variadas situações que nos levem a ser equilibrados primeiro e a potenciar aquilo que nasceu connosco como admirável, depois.
Nem todos podemos ser muito bons em tudo. É fatal e correcto.
Porém, nenhum de nós deve abdicar desse direito - e eu diria dessa obrigação - que é adquirir hábitos que nos convenham.
Estamos habituados a lavar os dentes. A lavar as mãos. A tomar banho. A pedir licença para rasgar uma folha. A pedir perdão se arrotamos. A pôr o cinto quando ligamos o carro. A ligar as luzes quando andamos de mota. A dizer bom dia e boa tarde e até logo. A perguntar às pessoas como estão.
Por que não nos habituamos a esperar pela resposta? A ouvir? A dedicar algum tempo para nós? A não levantar a voz? A sentir como deve ser, sem dramas nem convulsões absurdas? A pensar positivo? A rir? A fazer desporto e/ou pequenos exercícios de relaxamento? A ter sexo?
Sim, a ter sexo! Por que não treinamos o sexo? Ou - rapazinhos que andam enganados - julgam que ela é boa na cama porque tem um dom? Nasceu com ela, querem ver?
Há uma frase que se aplica ao treino e que faz com que a aparência se transforme em realidade: devemos treinar "until it becomes second nature" - só quando já estiver tão intrinsecamente em nós enraizado o hábito de sermos admiráveis é que o passamos a ser... naturalmente.

3 comentários:

saltos altos disse...

Carlos...bem...admirável. Gostei muito. estás profundo hoje. Caramba. este teu texto bateu-me cá dentro. e que grande chapadona. Especialmente agora vou entrar para um business de uma amiga para o qual só sou boa como rp, pois para o resto sempre achei não ter a minima vocação...mas com essa história da persistência para a perfeição, para que se torne natural deixas-me muito mais à vontade!!!

João disse...

é um facto.
para ter, fazer, conseguir uma coisa, seja o que for, é preciso empenho, não basta ter só o talento.

Rita disse...

"practice makes perfect" :)