sábado, 6 de outubro de 2007

Ainda o vejo nos olhos dela

Ainda o vejo nos olhos dela.
Quando passa a ferro, quando ajuda um filho, quando vê a obra que ele deixou ficar em casa, sempre tão trabalhador, ele.
Tão amigo, observador, elegante na maneira como era recto com toda a gente, como as palavras na boca dele faziam sentido, como os sorrisos eram grandes quando me pegava ao colo ou me levava a dar uma volta no side-car da BMW enquanto eu fingia que estava dentro de um cockpit de formula 1.
E sempre que lá me punha, apontava para a roda e dizia, muito preocupado com o neto: e não ponhas as mãos ali, hã?
Nos mesmos olhos que adivinharam na perfeicão a gravidez da minha mãe mesmo antes dela ter contado a alguém, assim que chegou a casa depois das férias no Algarve;
naqueles que se embaciam de quando se fala nele; que recordavam a esperança mesmo depois de um ano a tratar o cancro... nos mesmos olhos onde eu recordo o som daquele motor ao meu lado, o homem que o dominava em cima com um capacete simples, como ele, com uma condução perfeita, como ele.
Ainda o vejo assim, ao meu lado, perfeito.
Ainda o vejo na cara dos filhos dele, e consequentemente em mim. Na maneira como eles descem da mota exactamente como o pai fazia, como utilizam expressões celebrizadas por ele que reuniam a sabedoria e a alegria com que ele inundava o coração dela.
O meu.
O de todos nós.
A existência deste texto comprova que as pessoas vivem sempre. Mesmo que não existam mais.
As pessoas vivem sempre.
E o mundo é a soma do que elas foram com aquilo que nós fizermos com isso.

2 comentários:

Paulo disse...

Grande Carlos

Excelente

Mariana Duque (A prima e consequentemente a Neta)
Paulo Duque

Miguel disse...

Brutal!!!!!
É meu tu realmente....Está mesmo fixe!!! Nunca tinha visto textos tão bem feitos!!! Eu costumo dizer para as pessoas se dedicarem à pesca mas neste caso digo:::Dedica-te à escrita!!!!Este texto está maravilhoso! xD

By: Miguel