sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Continuação de "Os puros"

A minha santa terra fica na margem esquerda do Mondego, numa encosta inclinada (a minha mãe maldiz o rio de dinheiro que gastou a fazer as fundações e os pilares até hoje, só para que tenham noção) e o rio faz eixo de simetria com a encosta do lado direito. Juntas fazem, portanto, um vale relativamente fechado.
Muitas vezes ao fim-de-semana praticam as pessoas de cá (umas por gosto, outras por obrigação cof cof) a chamada agricultura de subsistência, que é mais um entretém para os reformados do que propriamente outra coisa (toda a gente sabe que a subsistência se compra nos supermercados e acabou).
Ora nos dias em que é necessário ir (não é difícil perceber em que lado da questão eu me enquadro), as pessoas vão cedo (tipo 7 da manhã já a trabalhar para aproveitar até às 10 ou às 11, hora na qual o Sol começa a ficar "rijo" - termo técnico que eu adoro, a não ser quando o sinto queimar-me o pescoço na apanha da batata.)
Ora tal esforço físico intenso requer aquilo a que se chama uma "bucha" - refeição para os agricultores a meio da manhã, que antes se chamava almoço, e que convinha ser muito reforçada: normalmente nas terras andavam vários homens, alguns pagos ao dia ou juntos de forma a que sob a forma de cooperativa tácita fizessem em conjunto os terrenos de todos, diminuindo os esforços de cada um.
Por norma era a esposa do dono do terreno que fazia a bucha. Nesta situação em particular, o terreno ficava mesmo no cimo da encosta, e a casa do dono do terreno muito cá em baixo, junto do rio. Tão cá em baixo, que se alguém berrasse de onde ele estava se ouvia melhor do outro lado do rio, à mesma altura, do que no sopé da encosta do lado dele.
Ora a senhora atrasou-se na hora da bucha, e os homens estavam a ficar agastados com a situação. Então ele resolvia berrar, e berrava:
"Oh Rainhaaaaaaaaaa"
e não ouvia nada de volta, e continuava:
"Oh riquezaaaaaaaaaa"
nada
"Oh princesaaaaaaaaa"
nada e os homens sempre à espera, e como ela tardava mais e mais
"Oh putaaaaaaaaaaaa"
e ouvia sempre a cunhada (irmã da mulher, que vivia do lado de lá do rio), que muitas vezes só ali se apercebia que era o marido da sua irmã a chamá-la
"Oh Mariaaaaaaaaa"
a berrar para o sopé da encosta, onde desta vez a esposa conseguia ouvir
"Diiiiiz"
"Leva a bucha ao teu hoooooomem...!"

Ah ah ah

1 comentário:

Rita disse...

além de "bucha" há a expressão "piqueta" ou "mata-bicho".
:)