domingo, 14 de junho de 2009

Só 94 milhões?

Não me parece que Joan Laporta tenha razão quando diz que a transferência de Ronaldo é símbolo do imperialismo de Pérez.
O presidente do Barcelona é, acima de tudo, um gestor de sucesso. E tal como todos os gestores de sucesso, está exposto à opinião pública e sujeito à responsabilidade de procurar satisfazer os interesses de todas as pessoas em contacto com a sua organização.
Um gestor de sucesso sabe que nem sempre deve dizer o que pensa, ou melhor, nem sempre deve dizer tudo o que pensa - atitude que será louvável em qualquer pessoa, mas que se preza mais em quem se assume responsável por tanta gente quanto a que trabalha no FC Barcelona.
Creio ser neste contexto que surgem as declarações dele, a propósito da transferência do Ronaldo para o arqui-rival Real Madrid. O da precipitação, ou o da tentativa de acalmar as suas próprias hostes, ameaçadas que estão pelo inimigo de branco.
Laporta conhece bem as duas realidades em equipas formadas por estrelas, e não me parece que fosse a pensar no Real de Vicente del Bosque - e que mais tarde viria a ter Carlos Queirós como treinador - que proferiu estas palavras. Esse Real Madrid, com Zidane, Beckham, Roberto Carlos, Raúl, Figo, Casillas, Ronaldo, Guti e Hierro não resultou. O próprio Jose António Camacho treinou por duas vezes o Real Madrid - e ambas por alguns dias, quando não lhe deram condições de pôr a "mão nas estrelas" da maneira que ele achava conveniente. Mesmo o Barcelona - que esteve, sob o dirigismo de Laporta, quatro anos sem ganhar títulos, é preciso que se diga - revolucionou a equipa o ano passado, vendendo nomeadamente Ronaldinho e Deco ao desbarato (mas ninguém se lembra disso agora).
Laporta estava a pensar, isso sim, nos bons exemplos: no Real de Puskas, Di Stefano, Kopa e Gento, entre outros, que ganhou os títulos de campeão da europa de clubes em 56, 57, 58, 59 e 60. Ou do seu Barcelona, que, comandado por Cruijff, juntou na mesma equipa nomes como Josep Guardiola, Bakero, Txiki Beguiristain, Jon Andoni Goikoetxea, Gheorghe Hagi, Ronald Koeman, Michael Laudrup, Romário e Hristo Stoichkov, no início dos anos 90, e que lhes deu, a par de 4 campeonatos seguidos, a única liga dos campeões até à de 2005.
Analisando friamente as coisas, o negócio Ronaldo não é mau negócio: se venderem as camisolas com 50 euros de lucro em cada uma - facto nada difícil num clube como o Real, diga-se - são precisas apenas um milhão e oitocentas mil para perfazer 90 milhões de euros de lucros. Aposto convosco que este vai ser o número de camisolas vendidas apenas em Espanha - e se tiver que ser diferente, será para mais. Não obstante, todos sabem da vontade do Real Madrid em explorar mercados crescentes no Oriente, nomeadamente China e Índia (não será preciso referir que eles são mais que muitos e tão fanáticos que pagam loucuras para ver treinos, ao ponto de encherem estádios, como se de um jogo se tratasse).
Acrescenta-se que o Real negoceia os contratos com os jogadores de maneira a ficar com uma percentagem dos seus ganhos em publicidade muito superior, segundo consta, à que era praticada pelo Manchester United. Tendo a "loucura merengue" do seu lado, não haverá falta de pagantes no estádio em todos os jogos desta época. Além disso, o homem é megalómano, mas não é louco - o Real continua a ser um dos clubes mais ricos do mundo, mesmo depois de Pérez ter gasto tanto há uns anos atrás.
Não é preciso ser-se um génio para perceber que as potências de Espanha têm estratégias radicalmente diferentes naquilo que é a gestão de longo prazo - Ronaldo nunca encaixaria no Barcelona de Laporta. Contudo, não deixa de ser verdade que a gestão deste último se sente ameaçada pela criação dum super conjunto de jogadores - mais tarde, se se convir, chamar-lhe-ei "equipa" - capaz de pôr em causa o domínio absoluto do Barcelona desta época.
E quanto mais não seja por ver este mau-estar na comitiva "blaugrana" - e cujo melhor adjectivo é priceless - personalizado nas declarações do seu presidente, indicador claro de que os calos alheios estão a começar a ser pisados mesmo antes da entrada em campo, os adeptos do Real Madrid estarão a perguntar-se a esta hora: 94 milhões?
Só?

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