terça-feira, 28 de julho de 2009

Meu Deus do céu

E lá estava ela, tão segura de si, tão bonita e educada.
O jantar sabia-lhe bem, a companhia era feminina: muitas mulheres, camisolas combinadas, pilas na testa, comida no prato, que isto de pôr cada coisa em seu sítio é muito bonito.
Muitas coisas diferentes nos levavam ali: a despedida de solteira da amiga, no caso dela. Aniversários. Jantares de turma. Jantares de amigos, no meu caso.
E a interacção era inevitável - o sotaque do norte, a música calorosa, as mesas arredadas para que todos pudessem dançar e divertir-se. As misturas nos grupos, mais ou menos propositadas.
Durante o jantar o anfitrião cantou Tony Carreira. Delírio. Eu e o mano olhamos um para o outro, numa reacção infelizmente comum: de vez em quando este tipo de música aparece como que de surpresa, cedendo ao destino a melancolia dos 3 ou 4 minutos seguintes das nossas vidas.
Mas ela não. Ela olhava à volta e fazia exactamente o mesmo, como que perguntando em que planeta estaria. Olhámo-nos, sorrimos com vontade. Encolhemos os ombros - é o mundo que temos, teremos pensado ambos.
As crianças da mesa eram fofas. Ela era fofa. Os fofos encontram-se à sobremesa, no espaço que separa uma da outra, e que mais tarde se alargou à dança. O interesse não era mais que pura curiosidade, oportunidade. Nem era interesse ainda. Era uma brincadeira.
"5 euros pelo número de telemóvel dela", e o Paulo divertidíssimo, porque afinal não se perdia nada e ainda nos ríamos um pouco.

"Olá. Olha o meu irmão disse-me que me dava 5 euros se eu te sacasse o número de telemóvel"
Olhar furtivo para mim, que dançava impavidamente.
- Mas eu tenho namorado.
Olha o meu irmão. Com uma namorada que adora, e a miúda a pensar que ele se estava a meter com ela. Nem que ela fosse a Adriana Lima.
"E daí? Nenhum de nós quer namorar contigo"
Seguiu-se a conversa habitual, que era na boa, na boa onda que nos caracteriza, que foi mais pelo Tony do que outra coisa.
E era mesmo.
"Dás-me o número ou não?"

Veio.
"Deves-me 5 euros" - com um sorriso de quem tinha, apenas, ganho uma aposta.
Trocaram duas mensagens. Na manhã seguinte veio a confirmação da atitude.
- Não me mandes mais mensagens. É que tenho namorado e também vou casar daqui a uns meses...
"Opa... ah ah ah... lê esta merda!"
Só consegui abrir a boca, soltar um "hã?" e provocar ainda mais gargalhadas nele.
"Como é que é possível?"
Abanámos a cabeça, negativamente, em conjunto.
De facto, lá estava ela, tão segura de si, tão bonita e educada, com uma pila na testa e a comida no prato, com medo dos homens à volta, perdão, com medo dela, que já tinha homem e não podia falar com mais nenhum, e nem devia haver mais mesas para além da dela, para quê a nossa?, com medo dela, ai que dei o número e não devia ter dado porque agora sou isto e aquilo e eles pensam isto e aquilo, ai que cedi à tentação e sou tão casta e pura, tão bonita e educada, que ainda nem casei e já sou assim.
- Assim
diria ela, tão fraca, que para não ter hipótese de trair o - chegará a sê-lo? - futuro marido (na cabeça dela ou aquilo era uma traição ou iria levar a isso, só pode), se priva do resto do mundo, e faz como os burros, com umas palas nos olhos postas depois de ter olhado para o lado.
Que isto de pôr cada coisa em seu sítio é muito bonito, e as palas nos olhos servem-lhe bem.

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