terça-feira, 7 de outubro de 2008

o GPS

Estava o velho na jornada diária sabe-se lá de que dezenas de metros - que lhe deviam custar como quilómetros (ou seria das rugas cravadas no rosto?) - quando interceptado por famílias em veículos consecutivos, e estranhando tal arraial
- Oh amigo, desculpe incomodar... o restaurante XPTO, é para aqui?
Apenas balbuciou indicações, com a certeza de quem tem mais anos de vida que mais alguém ali, como que dizendo:
"Bão bem, pôs. Aí im frente, bira a esquerda, é aqui pertinho de nós, 'tem nada que saber".
Nenhum arraial provocaria maior espanto no velho do que o aparelho que o carro líder do dito trazia: um GPS acabadinho de comprar, que nos tinha levado quase ao sítio certo - o caraças do velho foi preciso uns 300 metros antes do "parabéns! chegou ao seu destino!" com a bandeirinha do xadrez a iludir-nos e nós a acreditarmos que "epa, de tão longe e vim cá ter à primeira".
Muito diz ela antes do "chegou ao seu destino"!
"A setecentos... e... cinquenta... metros vire... à... direita". E eu já todo encostadinho a pensar "ena pá, de tão longe e vou lá dar à primeira" eis senão quando saio - de manhã, porque acordei cedo para ir ter com a rapariga, para aproveitar o dia, para ver se me calhava alguma coisa (não digam a ninguém, mas eu gosto que me calhem coisinhas boas) - e o sítio era novo, e a variante também e ela diz:
"A duzentos... metros vire... à... esquerda".
- À esquerda? Então mas eu tenho aqui um separador central, viro à esquerda como?
"Vire... à... esquerda".
E eu já a reduzir a velocidade, a passar de quinta para quarta,
- Vilamoura para a esq...
"PLIM! Recalculando..." e eu já a 70 a olhar para a gaja com voz doce - são sempre as que enganam mais, cuidado e ela vira-se e diz-me "quando puder, inverta a marcha".
- Oh filha eu não sei se já percebeste, mas eu tenho aqui uma merda a meio, e por acaso até foste tu que me mandaste vir para aqui, portanto o mais que posso fazer-te é sair na proxima e tent...
"PLIM! Recalculando..."
E eu já com cara de poucos amigos a olhar para ela tipo vá, diz lá!
"A quatrocentos... metros... vire... à direita".
- Estás a ver, filha, assim gosto de ti. Era coisa para ficar chateado se por acaso me mandasses para sítio errado...
"Vire... à direita!" e palavra de honra que ela me soou muito mais certa do que nas outras vezes, até que para onde eu saía dizia Estação, portanto devia ser ali.
- Espera lá, Estação?
"PLIM! Recalculando..."
- Oh filha duma p***, então tu estás a gozar comigo ou quê? Calma Carlos, inverte lá a marcha que a senhora até pode ter razão...
E assim foi, saí para a estação, e dei por mim no caminho de volta, do outro lado do separador, agora olhando para ela com o ar ternurento de quem lhe faz tudo o que ela quer e ela diz-me:
"Quando puder, inverta a marcha!"
- ...
E eu a acelerar - Eu vou mas é sozinho, minha p*** de m**** e ela:
"PLIM! PLIM! Inverta a marcha! PLIM!"
- Podes tratar-me por tu, já temos uma confiança do c******, parece que já mandas e ainda agora chegaste, já te digo minha p***!
Fui sozinho e fui, até entrar em Vilamoura. Ela depois redimiu-se, e foi, já lá dentro, levar-me ao complexo turístico que eu procurava - nada a que um velho que passasse, com cara de quem tem mais anos de vida que mais alguém ali (ou seria das rugas cravadas no rosto?) não respondesse:
"Vais bém, moço. Aí im frenté, vira à esquerdã, é aqui pertinho de nós, magane, 'tém náda que sabér".

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